26/12/11

dezembro 2011 - pais

 – Gostava que me contasse tudo desde o primeiro sintoma.

Uma ruga apareceu de imediato na testa de Clarisse.

– Tudo…?!

– Espero que se lembre – brincou a médica do centro de saúde.

Era nova, acabadinha de entrar no sistema, herdando casos que a outros sobravam, determinada em ouvir as pessoas que a consultassem.

– E deixam-na fazer isso? – questionou Clarisse, a prever que alguém entraria pelo gabinete pedindo que a médica se despachasse.

– Não imagino outra forma…

E Clarisse contou.

(texto: Margarida Fonseca Santos; ilustração: Francisca Torres)

dezembro 2011 - filhos


Ensaiara muito bem a conversa – tinha de lhes contar o que acontecera. Das outras (três) vezes, ouvira alguns ralhetes, frases que começavam com “tens de ter mais atenção”, outras que acabavam em “que não se volte a repetir”.
– Mãe…?
– Diz!
– Perdi a chave do cacifo… Outra vez… Desculpa.
Depois de um olhar espantado, chegou um sorriso:
– Estas? – Na mão da mãe, as chaves… – Vê lá tu, fui eu que lhes peguei sem querer, que cabeça a minha!
(texto: Margarida Fonseca Santos; ilustração: Francisca Torres) 

dezembro 2011 - pais e filhos



– Diz-me tudo!!! O que é que faço?

Pedro esquecera-se dos seus seis anos, ajudava com coragem.

– Telefona ao pai… Argh…!

– Dói muito?

Nenhuma resposta.

– E depois?

– Não, espera, telefona primeiro para o 112!

– E digo-lhes o quê? Que a Joana está a chegar?

– Não, Pedro, argh… diz-lhes só que estou em trabalho de parto. Rápido!

E Pedro, com a voz trémula, explicou tudo. A Joana chegou quarenta minutos depois, e o Pedro foi o primeiro a vê-la.

(texto: Margarida Fonseca Santos; ilustração: Francisca Torres)

25/12/11

dezembro - histórias recebidas (take two!)


Sou a maçã mais angustiada desta manhã fria. A tristeza era a minha companhia, porque eu sabia que hoje seria a sobremesa do Francisco. A hora estava a aproximar-se. Despedi-me de todos os outros frutos meus companheiros e da lagarta que vivia em mim.  Ainda me restava algum tempo, a fuga era uma das hipóteses, mas o destino já estava marcado. A mão do Francisco aproximava-se, o terror, o coração batia forte… chegou a hora! Boa Noite.
Hugo Costa, 12 anos – Lisboa

Havia um auto-retrato de Leonardo Da Vinci, que estava exposto no museu nacional de Itália. De repente, uma rola apareceu vinda do alpendre, ela estava muito aflita mas por pouca sorte, tinha esquecido já há muito tempo onde se situava a casa de banho para rolas. Então sem saber o que fazer, não hesitou em se aliviar de imediato em cima do pobre de Vinci. Vinci ficou furibundo com aquela situação:
–  Vou inventar: um “lenço”!
Miguel Palma 12 anos, Lisboa 

Gosto de palavras, das simples e das complicadas, das rechonchudas e das delgadinhas, das que inebriam e das que desesperam.
Gosto de palavras coloridas e das esbranquiçadas, das apressadas e das molengonas, das bem-humoradas e das rabugentas.
Gosto das palavras que espreitam no final dos parágrafos e das que se escondem nas notas de rodapé, das que saltam de página e das que se seguram por um hífen.
Gosto de todas as palavras que celebram a vida.
Quita Miguel, 52 anos, Cascais
 
Marci é simpático, meigo, desengonçado. Observa tudo ao redor, com os três olhos bem abertos. As longas antenas captam sons da casa e da rua: música a tocar, gente a falar, carros a buzinar. Mas não está confortável onde o alojaram. O dono cresceu, já não dorme naquele quarto tão arrumado. Marci sente-se só, enjoado.
Quer brincar, não tem com quem.
Quer conversar, não há ninguém.
Quer ver mundo, sair. Que tristeza! Não mais se poderá divertir?
+
Sento-me, desenho e vislumbro o Sena que desliza ao som de acordeões. A Noite quer entrar. Traja um vestido de veludo negro estrelado. Como reparou em mim?
– Desenha-me – pede.
Hoje, veio sozinha sem a inseparável amiga Lua.
Desenho-a, timidamente. Traço a traço.
– Está lindo! Nunca me pintaram com tanta perfeição.
A Manhã chega, estremunhada. A Noite vai partir.
Adoro este vigésimo andar. Fica afastado da rua mas perto do céu. Aqui, a Noite chega primeiro.
Ana Paula Oliveira, S. João da Madeira, 51 anos

"Porque é que as mães são únicas e especiais, avó?", perguntou a Mia cheia de curiosidade. "Isso não tem resposta minha querida, não se conhecem fórmulas mágicas.", respondeu a Dona Felicidade. "Mas então porquê?", retorquiu a Mia num tom desconfiado, "É segredo?!", insistiu. "Não, mas a única forma é estares atenta. As mães falam com o coração e os filhos têm que deixar que olhos as ouçam!".  A Mia ficou pensativa durante segundos... E por fim, sorriu!
Vera Lúcia Marques Costa, 26 anos, Lisboa

10/12/11

As primeiras histórias dos leitores em Dezembro 2011



A Estrela azul
Era uma vez uma estrela que um dia mudou de cor. Ficou azul.
Ela ficou assustada e foi ao Dr. Colorido. Este disse-lhe que ela sofria de pintite aguda, doença rara e sem cura.
            A estrela ficou triste e chorou bastante, até que uma lágrima caiu na face da Sra. Toupeira, vestindo-a também de azul.
            A Sra. Toupeira pulou de alegria.
            A Estrela ao vê-la tão feliz percebeu que a doença não era grave.   
EB da Mata 4º A - Estremoz


Se formos a pensar numa certa coisa, quando os ladrões nos assaltam e dizem sempre:
- A Bolsa ou a Vida!!!
Se lhes dermos a bolsa, eles fogem com o nosso dinheiro e pertences. Mas depois se não lhes dermos a bolsa, matam-nos e levam a bolsa! Levam sempre a bolsa. O que intriga é quando às vezes não estamos a ver, eles levam a bolsa sem nós notarmos, e nem sequer nos falam uma única palavra.
Manuel Barros, vivo em Lisboa, tenho 11 anos


Ele correu para a televisão e viu que as suas esperanças estavam corretas!
Correu de volta ao quarto e pegou nas coisas de praia que deixara para trás, preparadas.
– Mãe! – gritou.
– Sim, Guilherme? – respondeu a mãe, do quarto.
– Vamos à praia! O tempo está perfeito!
Guilherme reparou que a mãe não se movera.
– A mãe prometeu que me levava à praia se o tempo deixasse!
Não havia como resistir ao sorriso ténue, delicado do filho.
 Pedro Caetano Carvalho, Beja, 14 anos


Queres café no açúcar? Perguntou Maria a Pedro, que disse preferir um gosto a arroz. Na festa anual do açúcar, no Mediotejo, cada um tomava o açúcar como quisesse.
Antonieta, ex vegetariana, trocara este ano a alface pela carne de vaca no açúcar.
Foi então que Fausto quebrou a única proibição, já secular: pediu mel para o seu açúcar, algo verdadeiramente sacrílego.
Resultado: bens confiscados e expulso da aldeia. Eram assim os tempos amargos da intolerância doce.
 João Pedro Chora

Começa a chover… E lá vão elas a correr para rua.
A lama é muita, muitas as poças… não falham uma.
Ouvem-se os risos, movem-se os pés, um após outro, como uma dança. Que divertido!
São de borracha, não entra água… mesmo perfeitas para sujar.
E que bonitas, com essas cores, vivas, alegres. Ficam tão bem!
Se um dia eu fosse bota, e pudesse escolher, queria ser “de borracha”… para poder brincar nos pés de uma criança.
 Rita Vilela

“Joaninha voa, voa…”
“Joaninha voa, voa que o teu pai está em Lisboa”, cantava a Aninhas,
observando as joaninhas que passeavam as bolinhas de seus vestidos
vermelhos. Andavam no alecrim do seu quintal.
De repente, a Joaninha abriu as asas e poisou no cabelo da menina.
- Mãe, mãe, chamou a Aninhas toda vaidosa, vem ver meu travessão...
- Que lindo e colorido e parece sorrir! É mágico?
Era apenas a joaninha que gostava muito da Aninhas!
Ana Maria Santos, Fogueteiro - Seixal, 57 anos 


"O lápis despertou com a agitação das palavras dentro de si. Uma história acabara de se formar e tinha pressa em sair, mas o bico já gasto aprisionava-a.
Sem suportar tanto alvoroço, o lápis foi até ao afia, que se dispôs a afiá-lo.
Estava pronto para escrever e começou a deixar sair as palavras.
A fila era grande. Algumas, mais apressadas, forçavam a passagem. Espremiam-se, embaralhavam-se e acabavam por sair aos trambolhões enchendo a folha em branco."
 Quita Miguel, 52 anos, Cascais

Estou feito!
Mas vou tentar, claro!
Ainda por cima, maldito 77!
Meu número azarento.
Bem, vou começar.
Era uma vez um informático…
Não! Assim não vou lá!
Deixa cá ver assim:
Eu gostava de escrever um livro...
Um livro!?
Qual quê!?
Uma crónicazeca chegava!
Se calhar um simples postal!
Estou mesmo feito!
Meto-me em cada uma!
Será que posso contar carneiros?
Se calhar não.
É batota e ainda posso adormecer.
O melhor é acabar.
E é já!
Joaquim Ribeiro, Lisboa, 57 anos, Lisboa

Vir ao curso foi boa escolha.
É divertido e proveitoso.
Mas sinto-me perdida.
Os meus colegas são todos peritos.
Até o médico já escreve melhor!
Mas vou conseguir.
Vou-me ganhar!
Desconfio que alguns já sabiam disto.
Para iniciados são textos muito bons.
A Margarida é o máximo!
Por que não tive uma professora assim!
Agora poderia estar eu a ensinar.
Não estaria fechada na empresa.
Tantas contas, relatórios!
Bom! Deixa ver como vai.
Uau! Cheguei às 77!
 Teresa Gomes 54 anos, Lisboa 

A Pulga Saltitona!
Passeando pela praia, uma concha, eu encontrei, com uma sombra nas costas. Logo me aproximei. E que foi que eu vi? Uma pulga-do-mar fazendo o seu flic flac!
- D. Pulga, por aqui?
- Do circo fugi. Vim ver o mar, correr com a espuma... Que saudades! Sabe saltar à espuma?
- À corda, quer dizer?
- Não, não, ora veja...
E lá foi, salta aqui, salta ali e eu nunca mais a vi!
 Ana Maria Santos , Fogueteiro – Seixal,  57 anos 

É com o olhar que viajo neste mundo.
Trago sol, levo neve, apanho as folhas, as flores,
Vejo o mar, anda na lua e na rua
Recordo a nuvem, a flor, o cão, a Maria e o João,
Guardo tudo em mim.
Fecho os olhos nada tenho,
Abro os olhos e tudo recebo.
Com o verde dos meus olhos tudo alcanço.
Não há limite de espaço para o sonho.
Viajar, sorrir, chorar, aprender...
Trago memória no olhar!
 
Vera Duarte, 38 anos, Odivelas

Há um espadachim pintor escondido nas nuvens. Rasga o céu de outono e pinta-o de fantasia. Brinca com a primeira estrela do céu, mas perde o fulgor e a bravura, quando a lua aparece e se deita nua sobre o rio. Morre de ciúme e paixão, espreitando pelo canto da linha do horizonte... Quando a aurora desperta e lhe toca nos ombros, estremece deste encantamento e, de espada em punho, pincela os lençóis ainda quentes do sol.
Lurdes Augusto